sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Tarde de carnaval

Autor: Walter Sá  
Era tarde de carnaval Tudo estava colorido O bater do pandeiro Invadia o ouvido e ditava o ritmo da minha alegria Ao te ver na avenida Rio verde-esperança A minha euforia Era de criança De repente tudo se coloriu Chuva de confetes e serpentinas Inundava o salão Ficamos a tarde inteira Nessa brincadeira Ala la ô, Jardineira, Bandeira branca....  Nos vimos inteiros Sorrindo de novo Era carnaval Coisa surreal Eu máscara negra Você ilusão Ao acaso afinal A gente se encontrou nessa tarde sem fingir Só vestir fantasia Para sair de mãos dadas dois foliões  rumo às cinzas de dois corações.




quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Quand souffle le vent froid

Auteur: Walter Sá

Le vent glacé
Que souffle au Sud
Quand change sa direction
Changent mes sentiments
Et ce resemble naturelle

Comme la lune influence
Les changements de la mer
Le vent glacé qui souffle
Change les emotions
Dans mon coeur

Le contraire du muscule
Que battre par l’amour
Liberté

Dans son lieu
Il y a seulement le froid
Du capitivité en neige
D’un prisionier
Solitaire

Il n’y a pas du Soleil
Ou calme athmosphère
Un trou noir qu’avale
La lumière,
C’est qu’il y a dans mon
Coeur

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O que seria eu mudo...

Autor: Walter Sá

O que seria eu mudo
Se não fosse o gesto
Sem mãos expressando o verbo
Mímica escrita em verso

O que seria um abrigo
Se não fosse braços, abraços
Paredes e teto

O que seria o amor
Se não fosse afeto,
O que seria de mim
Sem você por perto

Seria em vez do mar
O deserto
Seria injusto e incorreto

Seria noite no meu dia
Seria prorrogar a alegria
Seria sede sem copo d’água
Fome sem prato do dia

O que seria do mundo sem o Universo
O que seria do Rei sem o seu séquito

Teria reino de mentira
Seria filho de Maria
Pregado na cruz
Ao fim do dia

Sem teu corpo
Na ausência do teu beijo
Meu tesão
Sem teu sexo
Em chamas
Arderia.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Quando te vejo

Autor: Walter Sá

Havia um tempo em que
Um simples olhar teu
Bastaria

Era quando não me enxergava.
No espelho do desejo, eu me mirava,
Mas tua imagem era o que
Eu via

Foi um longo tempo
Preso à imagem vazia,
Que no fundo do espelho,
Realmente, não existia.

Hoje, quando te vejo
E me dispo do desejo,
Vejo claramente, nos teus olhos,
A tua alma fria.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Quando a prima Vera chegou

Autor: Walter Sá
Para a amiga, Renata Koury.


Quando a prima Vera chegou,
Ardiam verões na minh’alma
Havia girassóis, cravos, orquídeas e rosas,
Invadindo a casa

O perfume inebriante delas
Adocicava o ar e os hormônios dos
Corpos agitados procuravam outros corpos,
Em brasa

É tempo de sair da caverna,
Saudar o Sol, energia!
É tempo de colorir a vida
É tempo de tirar o pó
Da sala vazia...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Des mots qui vont bien

Auteur: Walter Sá

"Michelle ma belle
Sont des mots qui vont
Très bien ensemble"…

Mais ça, ma chère, ce n’est pas souvent
Entre les celibataires
Qui ne se rencontrent
Jamais

Je voudrais écrire
Des mots passionées
Sur les murs de la ville
Et y laisser des poèmes d’amour
Qui sont mes affaires

Pour que tu voies et comprennes
Pendant ton chemin
La signification de ceux-lá
Qu’il y a dans mon
Coeur.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O dono da bola de meia

Autor: Walter Sá


A tarde está quente e a chuva cai no horário certo, lá pelas três da tarde, como de costume. Os meninos da rua estão todos animados para começar a partida de bola de meia, iniciando o fim de semana da molecada. Eu não gosto tanto assim de futebol, apesar de jogar sempre com os moleques. É legal, somos amigos. Principalmente depois que o Marcel mudou para o bairro e o conheci. Ele e o Duzão, que conheço desde pequeno, também são amigos. Gosto mais de chuva, a sensação da água caindo continuamente no rosto e encharcando aos poucos o corpo, gosto também das bicas de canto de telhado e calhas, que formam quedas d’água fortes e me lembram cachoeiras, o vento que muda de direção, os pingos d’água, o cheiro da terra molhada. Tudo isso sim, eu adoro. Olhava pela janela da sala, lá no fim da rua, para ver se os meninos já estavam chegando. A chuva não tinha parado ainda, mas assim é melhor, pois a bola de meia fica pesada, encharcada com a água da chuva.

De repente, um grito da cozinha: “Ulisses, menino, venha já, que a merenda tá na mesa”, gritou Naná. A cozinheira da família desde meus oito meses. Nana é mais que da família, é praticamente minha segunda mãe e me conhece como ninguém. Sabe que adoro beiju doce, suco de siriguela, bolo de macaxeira e faz, toda tarde, tão pontual quanto a chuva, essas delícias para eu comer, às vezes ela diz para eu chamar os outros moleques para comer comigo e depois nos manda ir para rua brincar, para deixá-la fazer o serviço de casa, sossegada.

Foi isso que aconteceu, os moleques me chamaram lá na porta da rua, assim que cheguei na cozinha e sentei à mesa para me deliciar com as guloseimas preparadas para o lanche. Não tive opção senão convidar a turma para vir fazer o lanche comigo. Depois fomos para a rua, a pelada ia começar, dividimos os times e tiramos na sorte quem ficaria sem camisa, pois assim, fica mais fácil diferenciar os jogadores de cada time. As traves, feitas de latas com cimento dentro, já estavam na rua. A distância entre elas para demarcar o gol era de quatro passos, pois não havia goleiro. Foi quando Marcel me chamou de canto e falou que tinha algo para me perguntar. Fiquei curioso. A partida começou, era 10 ou 2 como a gente diz, ou seja, em 10 minutos quem fizer dois gols ganha, se não houver gols marcados, nesse período, a gente prorroga a partida por mais 5 minutos e quem fizer o primeiro gol ganha o jogo.

Nosso time, formado por Mario, Carlinhos, Júnior e eu, era evidentemente mais fraco que o time de Marcel, composto por ele, o Alê, Tiaguinho e o Duzão. A gente estuda na mesma escola e temos quase a mesma idade. Os mais velhos são Marcel e Duzão, que estão no 1º colegial e têm 17 anos, os dois. Eu acabei de fazer 15. Apesar de serem os bons de bola, a partida não estava fácil para eles. O primeiro gol foi marcado por eles, mas nós conseguimos empatar e fomos à prorrogação. Marcel e Duzão no mesmo time eram imbatíveis, os dois realmente têm habilidades a mais, no futebol do que o resto da turma. A prorrogação estava quase terminando e sem nenhum dos dois times ter marcado nenhum gol, quando o Duzão me deu um encosto ou empurrão numa disputa de bola, que me derrubou e caí por cima do braço, quebrando o cotovelo. Nesse momento, todos assustados, gritaram por ajuda. Chegou Naná, que me ajudou a levantar, chamou a ambulância e, em seguida, vieram me buscar para imobilizar o braço. As duas pessoas que foram comigo foram Naná e Duzão, que estava triste e se sentia culpado pelo acidente e a toda hora pedia desculpas por ter me empurrado com força. O braço doía muito e eu mal prestava atenção às suas desculpas, queria que a dor passasse logo. Naná estava nervosa porque não conseguia falar com minha mãe ao celular. Eu tenho um bom plano de saúde e quando nós chegamos ao hospital, eu fui rapidamente atendido. Enquanto Naná preenchia todas as fichas e formulários necessários, os médicos me levaram para fazer a radiografia e ver o quanto eu tinha me machucado. Duzão me acompanhou e fez um monte de perguntas ao médico. Fiquei impressionado com a curiosidade de Duzão e não sabia que ele se interessava tanto por medicina. Fiquei mais impressionado ainda com a preocupação de Duzão comigo. Cuidado com ele, dizia Duzão ao médico, que se irritou um pouco e falou para ele aguardar na sala de espera. Mais ou menos trinta minutos se passaram até que eu saísse da sala com o braço já engessado.

Em seguida, Naná chegou com tudo já preenchido, entregou as fichas ao médico, que lhe entregou minha radiografia do braço. Duzão permanecia ali, mas dessa vez, quieto, sem dar uma palavra, nem com o médico, nem com Naná e nem comigo, até chegarmos à rua onde morávamos. Antes de descer do táxi, a única coisa que repetiu foi, desculpe-me mais uma vez. Não tive a intenção de te machucar, respondi, que tudo bem. Já era noite, mamãe havia retornado do trabalho e me recebeu um pouco assustada, até que Naná falou que estava tudo bem e não tinha sido nada grave, só teria que passar 45 dias com o braço imobilizado, talvez assim, ele sossegue D. Helena. Contei a ela, que o Duzão não fez por mal e que tinha sido durante uma disputa de bola na nossa pelada de futebol, isso acontece. Nunca tinha quebrado nada, nunca tinha usado um gesso e aquilo tudo era novidade, desde as sensações até ficar respondendo à curiosidade de todo mundo para saber como tinha acontecido. A gente mora no bairro São Brás, aqui todos se conhecem, ou pelo menos se cumprimentam quando se encontram, na missa de domingo à tarde. Mamãe não vai todo domingo à igreja, o lugar que se perde perdão, mas também se julga todo mundo, mamãe fala que na missa há mais fofoca do que no salão de D. Inês.

O fim de semana foi longo e toda vez que eu colocava os pés fora de casa, mais um curioso vinha com a pergunta, quebrou o braço? Sim, jogando bola ontem à tarde, repeti incontáveis vezes, satisfazendo à curiosidade de todos. Menos Duzão, esse eu não vi nem sábado, nem domingo, pela rua. Telefonei várias vezes para casa dele, mas D. Inês me dizia que ele estava no quarto dormindo, que daria o recado, mas nada Duzão não apareceu. Só segunda de manhã, ao chegar à escola, que pude vê-lo, estava abatido e com a mesma cara de sexta-feira, quando voltamos do hospital. Não pude falar com ele direito na chegada, pois a sirene de entrada já havia tocado, corremos cada qual para o seu prédio em direção às salas. Na hora do recreio, todos estavam me aguardando para comentar o jogo de sexta, que acabou no meu acidente e não teve vitória de ninguém. Nenhum dos meninos ficou preocupado, nem estava triste na segunda. A galera ficou o tempo inteiro me zoando porque eu não poderia jogar bola e nem tomar banho de chuva, durante o período que estivesse com o gesso no braço. Perguntei ao Marcel pelo Duzão, eles estudam na mesma sala e não se desgrudam, Marcel me disse que Duzão se sentiu mal no início da aula e pediu para a professora liberá-lo para voltar para casa. Perguntei se ele sabia o que Duzão tinha, mas ele não sabia. Após a aula, retornamos para casa e fiquei preocupado com Duzão. Apesar de ele agora ser mais amigo de Marcel, nós também somos muito unidos. A gente se conhece desde pequeno, antes mesmo de Marcel se mudar para o nosso bairro. Duzão era ruivo e quando a gente era menor eu dizia que ele pintava o cabelo, Duzão é filho de Inês, a dona do salão de beleza.

Acabei de almoçar, fui para o quarto e liguei para o Duzão para saber o que ele tinha e se estava melhor. Quem atendeu foi D.Inês, mais uma vez. “Oi, Ulisses, tudo bem? Como está seu braço? Sua mãe me contou que você se machucou jogando bola, com os meninos, né? E que foi o Duzão, o responsável. “Ele estava de castigo o fim de semana inteiro”. Pois é D.Inês, foi sim, mas está tudo bem. E o Duzão está por aí? Soube que ele passou mal hoje na escola e voltou para casa. “Sim, Ulisses, ele está meio estranho desde sexta-feira, ele está com febre, já dei remédios a ele e estou aguardando a febre diminuir para levá-lo ao médico. Quando ele acordar, aviso que você ligou, ok?” Obrigado, D. Inês, até logo! “De nada Ulisses, cuidado com esse braço, menino, tchau.”

Quando desliguei, fui fazer os deveres da escola e passei a tarde estudando. A semana de provas começa segunda-feira que vem e não tirei boas notas mês passado. Eram quase fim de tarde, quando o telefone tocou e Naná me chamou. “Ulisses telefone para você, é o Duzão”. Larguei os livros em cima da cama e corri para atender ao telefone. “Olá, Duzão, tudo bem? O que aconteceu, você tá doente?” “Não sei, acho que não, fui ao médico, mas ele disse que não tenho nada, pediu alguns exames para eu fazer e depois ir lá novamente para entregar os resultados”. “E você como passou o fim de semana de braço quebrado? Por minha culpa, né?” “Ô Duzão, pára com isso, a gente é amigo e sei que você não me empurrou com maldade, foi uma disputa de bola, o jogo estava bom e foi um acidente. Além do que sou menor que você e mais magro também”. “É verdade, você é magrelo mesmo!” “Mas vou ficar forte como você e não vou mais cair de bobeira. Rapá, vamos fazer o que, às sexta-feiras, à tarde , afinal você é o dono da bola de meia e o médico disse que você não pode jogar bola, nem tomar banho de chuva. A galera vai sentir sua falta e principalmente da partida com a bola de meia, né?”

Ulissessss! O grito vinha da cozinha, era Naná. Vem comer menino, preparei seu jantar, vem logo antes que esfrie. Já havia se passado quase 1 hora ao telefone com Duzão e eu nem percebi, a conversa tava boa, mas Naná quando chama. Rapidamente nos despedimos, “Duzão, a Naná está me gritando lá na cozinha, para eu ir jantar, você sabe com é, agora é toda hora comida, em vez de forte com você, acho que vou ficar gordo”. “Ok, Ulissses, depois eu ligo para saber o que eu vamos fazer sexta-feira na hora do futebol. Falou, tchau, tchau” respondeu Duzão.

Desliguei o telefone e fui jantar, como sempre, Naná fez uma comida deliciosa, bife bem acebolado, salada, arroz com feijão e batata frita, suco de pitanga e, de sobremesa, pudim de leite. Ahhhhh, que delícia, quando mamãe chegou na cozinha, eu já tinha terminado e Naná só elogios, comeu tudo D. Ana, principalmente o pudim de leite, quase metade, mas ele mereceu, comeu tudo sem reclamar. “Que bom, Naná! afinal o moço está virando um rapaz, né? No fim do mês que vem são 15 anos, como passa rápido, parece ontem. Você lembra?” “Claro, D. Helena, ele era um bebezinho e nem andava ainda, quando eu vim morar com vocês. Agora tá aí, um rapagão, daqui a pouco ele está dando trabalho para a senhora com as meninas”. Ô, ô vamos parar com a conversa, estou indo para o quarto, não sou mais um bebezinho não e não tem menina nenhuma também, Naná. Tchau... vou ver TV no quarto, que ganho mais.

Fora o incômodo do gesso e o ralado na perna, ficar em casa sem fazer nada era muito bom. Só na hora de escrever, que eu não conseguia, então para fazer os deveres da escola eu precisava pedir para Naná me ajudar, pois meus pais trabalham fora e, por enquanto, sou filho único, não tenho irmãos para essas utilidades. Só que Naná teve pouca escolaridade e a letra da Naná é tão difícil de entender quanto bula de remédio em chinês. A semana toda fiquei fazendo os deveres na escola depois das aulas, mas a professora não podia ficar comigo durante o período, que eu ainda ficaria com o braço imobilizado. Aproveitei também a hora do recreio para colocar as tarefas em dia. Estava próximo do fim do semestre, era o último bimestre e estava difícil com o acúmulo de matérias. Durante esses dias, o único amigo que vinha me ver na hora do recreio era Duzão. Ficava um pouco e depois voltava para o pátio jogar um pouco de xadrez com o Marcel. Os meninos todos ficaram um pouco desanimados para jogar futebol hoje à tarde, o Duzão me contou, na hora que veio falar comigo.

Nosso jogo de bola de meia acontece já faz quase um ano. Marcel se mudou para o bairro nessa época, a gente não jogava com bola normal porque pula muito e toda hora caía nos quintais da vizinhança, quebrando alguns vasos de plantas e janelas de vidro também. As vizinhas ficavam gritando e brigando com a gente, o tempo todo e o jogo sempre acabava porque algumas resolviam confiscar a bola e entregar somente na segunda-feira. Para acabar o confisco, eu fiz uma bola utilizando meias velhas. A bola fica encharcada com água e não quica no chão, eliminando o risco de qualquer acidente com os vasos e janelas das vizinhas. Nessa época não éramos tão unidos e quase não saía de casa para brincar na rua com os outros meninos.

Chegou sexta-feira, eu de braço quebrado, me sentia meio triste por não poder brincar com a galera. Ofereci a bola para o pessoal na escola, mas ninguém queria jogar sem a minha presença no jogo, até porque, na hora da divisão dos times, não daria certo, justificou Marcel. Já quase na hora de começar a partida, a chuva já caía como de costume e o lanche já estava posto na mesa por Naná, quando a campainha tocou. Fui ver quem era, pois não esperava ninguém em casa. Quando abri a porta, para a minha surpresa, era o Duzão.

“Oi, Duzão, que foi? Que aconteceu? Nada não, só vim ver se você quer jogar xadrez, hoje não vai ter futebol, então pensei, será que você não estaria com vontade de brincar de outra coisa. Entra aí, claro, tá um tédio, não poder sair para brincar de bola. Ô Duzão, quem disse que eu sei jogar xadrez? Cara, não sei não. Sou uma negação em jogo assim, com damas é a mesma coisa, não sei nada. Ah, então eu te ensino, replicou Duzão, tá afim de aprender, perguntou. Eu disse que sim, eu tava afim mesmo de aprender a jogar com aquelas pedras que tinham nomes, na verdade eu morria de curiosidade para saber a função de cada uma. Foi dessa forma que nossa amizade se fortaleceu mais e nos tornamos mais unidos que antes. Durante um mês e meio, Duzão ia quase todos os fins de tarde, até nos fins de semana, a gente ficava jogando. Pedi a ele que me ajudasse com os deveres da escola, expliquei que os garranchos da Naná eram difíceis de compreender. Ele aceitou. Então eram os deveres e depois o xadrez.

Interessante como, às vezes, os menores acontecimentos trazem profundas mudanças às almas do seres humanos.

Durante os dias seguintes a rotina se transformou e a presença de Duzão em casa, quase a tarde toda, até a noitinha, trazia uma alegria diferente. Apesar de já conhecê-lo há alguns anos, eu não sabia que ele era irremediavelmente gozador e que tirava sarro de tudo.

Aguardar a hora de fazer os deveres com a ajuda de Duzão era excitante, me sentia muito ansioso. Isso começou a me perturbar um pouco, não entendia muito bem porque sentia tanta falta da companhia de Duzão. Ele era como o irmão mais velho e conversávamos sobre quase tudo. Fazia um monte de perguntas e Duzão respondia como se soubesse tudo da vida, como assim? Ele é apenas dois anos mais velho que eu! Mas eu achava Duzão um cara muito esperto e descolado. O mês passou e durante esse período fortalecemos a nossa amizade, Duzão já era praticamente de casa. Mamãe sempre perguntava por ele e nossas atividades juntos aumentaram. Logo após retirar o gesso, ainda sentindo o braço frágil, Duzão me convidou para ir à piscina do Clube e falei que também não sabia nadar. Comecei a treinar natação para ficar mais resistente e forte. Mamãe dizia que esse era um esporte completo e que seria ideal para mim. O Duzão já nadava bem e ia ao clube para gente ficar treinando depois da aula para que eu aprendesse mais rápido. Foi o que aconteceu em menos de um mês de aula, eu já conseguia atravessar toda a piscina semi- olímpica do clube. Além de jogar xadrez, agora eu também sabia nadar, graças a Duzão.

Dois anos depois do braço quebrado, nossa amizade é ainda maior. Chegam as férias e viajamos juntos, as namoradas são amigas também e quase sempre, aos fins de semana, saímos para nos divertir. Duzão já tem dezenove anos e já estou perto dos dezessete, então eu ainda não entro em determinadas baladas e nem chego em casa, tão tarde quanto Duzão. O fim de ano está chegando e em Dezembro vamos viajar juntos para uma excursão no Peru, nossa primeira viagem internacional.

O fim de ano chegou, o ano foi intenso e difícil. A formatura, como sempre, aquela festa em que todos ficam bêbados até cair. E foi aí, que tudo aconteceu. Durante a festa, Duzão bebeu muito e eu também, todos vomitaram e passaram mal de tanta birita. Lá pelas tantas, quando todos já haviam ido embora e só estávamos praticamente nós dois no Clube, Duzão me chamou para ir tomar a saideira no Bar da Praça, aceitei o convite e fomos a pé, de madrugada pelas ruas de São Braz, apoiados um no ombro do outro. Eu, como era mais novo e mais fraco que Duzão, quase não conseguia andar sustentando seu peso bêbado. Ao virar uma esquina, tropecei no meio fio solto das calçadas e caímos, Duzão em cima de mim quase me quebra inteiro, mas ao perceber que tudo estava bem, começamos a rir descontroladamente porque Duzão lembrou na hora, do acidente com meu braço e disse assim: “não quero te ver machucado de novo, sofri quando te empurrei aquela vez no futebol e você quebrou o braço, foi ali Ulisses, que comecei a gostar de você”. Não entendi muito bem o gostar que Duzão falou e no meio disso tudo ainda no chão, sem forças para levantar Duzão me abraçou e me beijou repentinamente. Eu não resisti àquele beijo. Quando terminou, mudos e sem dar uma palavra levantamos e como se o beijo fosse curativo, a bebedeira havia diminuído e conseguimos retornar para casa. No dia seguinte, já estávamos de férias e a viagem para o Peru, confirmada.

O nosso vôo sai às dezenove horas e até às quatorze, o Duzão não havia ligado, fiquei preocupado e liguei para a casa dele. Alô, atendeu D. Inês chorando, “oi Ulisses, o Duzão está com você?” “Não D. Inês, liguei porque estou preocupado, nós temos que estar no aeroporto às dezoito horas, no máximo, onde está o Duzão?”. “Não sei meu filho, ele não está em casa e as coisas dele também não. Fui até o quarto dele e só vi umas roupas jogadas no chão, não o encontrei na vizinhança e vi que a mala de viagem dele não está aqui. Não sei para onde ele foi”. Fiquei gelado por dentro, o que será que se passa na cabeça desse maluco, eu pensei! Eu ainda estava meio atônito com o ocorrido entre nós, na madrugada e era justamente essa minha ansiedade, eu queria encontrar com Duzão para esclarecer as coisas e dizer que eu também gostava dele de um modo diferente, que eu não entendia isso, mas seria um segredo nosso, que desde o episódio do braço e todos aqueles dias juntos me fizeram percebê-lo melhor, como amigo, parceiro. Ao mesmo tempo, que eu estava ainda confuso, estava feliz e excitado com a possibilidade de dividir com ele o que sentia, sem medo.

Continuamos procurando e ligando para todos os conhecidos do bairro, o dia terminou com a busca frustrada. Não encontramos o Duzão. Nem nesse dia, nem nos dias posteriores. A viagem abortada, meu amigo e recém-descoberto amor, desaparecido. Uma tristeza profunda me abateu e comecei a definhar nas semanas seguintes até minha mãe resolver me levar ao médico. Foi lá, conversando com o Dr. Aurélio, meu médico desde criança, que confessei estar deprimido pelo desaparecimento de Duzão, que eu gostava dele, que nós havíamos nos beijado e que eu não conseguia mais ficar sem a presença dele. Minha mãe chocada, surpresa e horrorizada com minhas declarações, ao sair do médico, falou que me internaria numa clínica e que eu estava realmente muito doente. Passei um mês numa clínica para tentar me recuperar da “doença” que minha acreditava que eu tinha. E tinha mesmo, no mês seguinte, internei novamente, e permaneci por mais de um ano entrando e saindo de clínicas psiquiátricas, sofrendo de loucura de amor. Sem saber do paradeiro de Duzão, D. Inês também passou um ano chorando a ausência dele.

No dia do meu aniversário de dezoito anos, eu estava saindo de uma das internações, estava no quarto me preparando para aguardar minha mãe na recepção da clínica, que estava vindo me buscar, quando entra a enfermeira inesperadamente no quarto com um presente nas mãos e com um bilhete, disse-me que um moço moreno de barba havia deixado na portaria e que era para entregar ao Ulisses, que era um presente de um amigo. Peguei o presente das mãos, sentei-me na cama, ela saiu do quarto e então resolvi ler o bilhete antes de abrir a caixa. Dizia o seguinte, “Ulissses, desculpa a minha covardia, a fuga e a falta de notícias, mas foi o único jeito que encontrei de não sofrer e de não te fazer sofrer, não entendia o que sentia e nem podia imaginar como você me trataria depois daquele beijo. A falta de coragem me fez desaparecer até que entendesse o meu desejo, a minha opção, e principalmente quando eu poderia retornar e te rever sem receios. Estou aqui e ninguém da minha família sabe, falei apenas com o Marcel, que me contou sobre você e onde você estava. Vim disposto a enfrentar todos para estar com você, claro se você quiser, na minha precipitação, fui egoísta e não pensei que você pudesse ficar doente por minha causa. Estarei amanhã na porta do nosso antigo colégio primário, lá no Bairro Santa Cruz, ao meio-dia, não conte a ninguém sobre mim, já avisei o Marcel, mas não confio nele e sei que amanhã, todos estarão me procurando. Não retornarei para casa dos meus pais e não ficarei aqui sem você perto de mim. Quero ser feliz com você, mas bem longe daqui”. Fui ficando nervoso e angustiado, saí pela porta do quarto correndo em direção à rua e não havia mais ninguém por perto. Retornei ao hospital e abri a caixa. Dentro havia uma bola, meias velhas, que as reconheci, eram minhas e do Duzão.

Minha mãe chegou e eu já havia guardado tudo. Estava estarrecido e pela minha cara dava para perceber o meu grau de felicidade, repentina. Ela logo perguntou: está se sentindo melhor, filho? Claro, mais do que nunca! Durante o retorno para casa, perguntei a mamãe se ela acreditava no que eu sentia pelo Duzão. E mais uma vez, com a mesma certeza de um ano atrás, ela repetiu, que isso era passageiro e que eu não era gay e que o Duzão era um pervertido e que o melhor que ele podia ter feito era ter sumido mesmo. Silenciei e concordei afirmativamente com a cabeça para que a conversa não se estendesse. Paramos tomamos um sorvete e ao chegar, fui direto para o quarto, liguei o som e coloquei para tocar um disco de Eliseth Cardoso da minha mãe, que ela ouvia sempre e eu com ela desde pequeninho. Escolhi a música Pressentimento e comecei a arrumar uma pequena mochila com minhas coisas indispensáveis, pouca roupa e alguns maços de cigarros. Já era quase noite quando fui até a cozinha falar com Naná e saber o que tinha para comer. Naná tinha feito um café à tarde delicioso, ela era a única para quem eu não conseguia dissimular nada e nem tentar enganá-la, parecia bruxa, vidente ou coisa assim e sempre que eu estava para aprontar alguma ela era a primeira a pressentir. E foi logo soltando, que cara é essa Ulissinho, o que você está aprontando, essa cara, conheço bem. A minha felicidade era tanta que para Nana não consegui esconder e mostrei a carta de Duzão, que eu trazia comigo no bolso. Naná apesar do pouco grau de instrução leu e compreendeu o que Duzão havia dito. Naná é como uma segunda mãe e me conhecia muito bem, não podia mentir, sabia que eu ia me encontrar com ele no horário marcado e sabe lá Deus o que iríamos fazer. Encheu-me de conselhos e apontou o perigo que seria encontrar com alguém que eu nem sabia como estava agora, depois de um ano sumido. Expliquei a Naná que não tinha medo algum e que meu coração dizia para eu seguí-lo onde quer que ele fosse e ficou assim, decidido. Naná prometeu silêncio até eu partir.

A noite se passou longa, a ansiedade não me deixou dormir direito e assim que amanheceu, levantei, tomei café da manhã com minha mãe. Ela saiu para o trabalho normalmente e ficamos só eu e Naná em casa. Deu tempo para me despedir e deixá-la menos preocupada, disse-lhe que se nada desse certo, eu retornaria para casa.

Onze horas, saí com minha mochila na mão e um monte de guloseimas que Naná me entregou para que eu não ficasse com fome. Sabe lá quando eu ia comer novamente e todos os remédios que eu vinha tomando durante o ano. Esses, joguei-os fora, na primeira lata de lixo que encontrei.

Cheguei ao lugar marcado pontualmente e assim que desci do ônibus avistei o Duzão. Havia mudado pouco, o cabelo e a barba estavam grandes. Mas seu jeito, seu sorriso, continuavam iguais. Fui ao encontro dele e nos abraçamos durante alguns minutos. Em seguida nos beijamos e ele disse que já tinha tudo armado para a nossa partida.

Conversamos enquanto íamos apressadamente em direção à rodoviária. Ele me contou que havia ido para Teresina, no Piauí, que durante o último ano de colégio tinha economizado a mesada de todos os meses e somado ao dinheiro que tinha para a viagem ao Peru, deu para ele chegar lá se instalar. Contou que começou a trabalhar como office boy num banco, mas agora estava em outro emprego melhor e já saiu da pensão onde estava morando esse último ano. Fez alguns amigos, mas ainda não confia em ninguém por lá. Falou sem parar e pouco perguntei. Chegamos à rodoviária, compramos os bilhetes e na hora que nos dirigíamos à plataforma do ônibus, ouvimos um grito: Ulisses, Duzão!! Olhamos para trás, eram nossas mães. Não entendemos nada, Duzão me olhou e com um olhar de decepção e falou: “Você nos delatou”! Não!! Respondi mas não tive tempo de explicar. Elas chegaram antes disso. Abraçaram a gente e ficamos parados ali, os quatro. Até que D. Inês, aos prantos, disse a Duzão, “por favor, meu filho, fique aqui com a gente. Sei o que se passa entre vocês e aceito você do jeito que você é”. Minha mãe aflita e ao mesmo tempo chorando, dizia o mesmo, praticamente em coro com D. Inês.

A cena de um modo piegas parecia não ter fim, começamos a chorar e olhando fixamente nos olhos um do outro, sem dizer, nada acompanhamos as duas em direção ao carro. Pacificamente aceitamos aquela situação. No caminho de volta para o bairro, foram elas que não paravam de falar e ansiosas para nos dizer que o que mais importava a elas era a nossa felicidade, não deixavam de transparecer a angústia, daquilo que seria, do que estava por vir.

Pensando em nunca mais falar com Naná, pois tenho certeza, foi quem me traiu e contou à minha mãe, que imediatamente comentou com D. Inês, pensei melhor e comecei a achar que assim teríamos mais tempo para planejar melhor a nossa união. Duzão calado estava, mudo permaneceu. Ao chegar em casa, descemos do carro, Duzão apenas disse, num tom de voz seguro e seco, “adeus Ulisses!” Não respondi, porque no seu olhar já não vi mais o brilho de horas atrás, entendi que naquela hora começava o início do nosso fim.

Muitas perguntas, D. Inês tinha para fazer a Duzão, que estava sumido aquele tempo todo. O amor materno é capaz de superar qualquer dor e falha dos filhos, ainda mais como nós, órfãos de pai. Tanto D. Inês, quanto a minha mãe eram mulheres sozinhas e muito batalhadoras, que criaram os filhos sozinhas, isso era um trágico fato comum, entre nós. A minha estava ali, na minha frente, me olhando como um ser estranho, que ela parecia não conhecer, mas estava disposta a entender.

Disse em tom calmo, seguro e determinado. “Não voltarei à nenhuma clínica psiquiátrica e tão pouco deixarei de ver o Duzão. Você já sabe o que se passa entre nós e não suportarei ficar separado dele”. D. Helena me surpreendeu e disse que não, não me encaminharia mais à nenhuma clínica e que quando se viu na iminência de ficar sem mim e sem o meu pai, que morrera há muito tempo, quando eu ainda era um bêbe, ficou desesperada e entendeu que a as expectativas dela em relação à mim, não eram mais importantes do que as minhas expectativas em relação à vida, que eu ainda tinha pela frente. Aquilo, que antes era uma patologia, se tornou esclarecidamente para ela, que não, não era uma doença, apenas minha opção de orientação sexual.

Para D.Inês talvez tenha sido mais difícil entender a opção de Duzão, até pelo próprio estilo dele. Duzão é um cara forte, viril e com fama de namorador na escola. Não era frágil e delicado como se imagina um gay, na fantasia das pessoas.

No dia seguinte, fui até à casa de Duzão falar com ele e D. Inês me recebeu novamente com um bilhete nas mãos, “ele pediu para te entregar, meu filho”! Peguei o bilhete das mãos de D. Inês com o calafrio no coração, trêmulo por já imaginar o conteúdo.

“Ulisses, o amor que sinto por você é grande maior do que posso te explicar com palavras. Arrependi-me por tudo que te causei quando parti, sem me despedir, por isso voltei, mas a sensação de liberdade que provei ao buscar meu caminho, quando fui embora, por covardia de estar aqui e assumir o que sentia por você, é maior. Não quero permanecer aqui, os planos com você eram maiores. Sei que nossa fuga, merecia explicação, por isso não te culpo por ter contado à Naná. A vida que venho construindo em Teresina me faz perceber que o meu caminho não é mais aqui, nesse bairro, com essas pessoas. Agora trabalho, tenho meu sustento e não tenho mais que dar satisfações da minha vida à minha mãe. Percebi que você ainda precisa dessa segurança, da casa da mãe e não te julgo por isso, talvez um dia nos reencontremos ou não. Agora, novamente vou embora sem me despedir, estou sendo egoísta, mas certo dos meus desejos, parto em busca do meu caminho. Espero que entenda e siga o seu, já não temos mais segredos com as nossas mães, nem entre nós, espero também que dessa vez, tudo seja mais fácil para você, tente ser feliz aqui, não te peço que me siga. Percebi que não te faria tão feliz. Mudo sempre de rumo, ainda quero conhecer muitas coisas, pessoas, lugares, ter experiências e não sei se você entederia, meu novo estilo de vida". Adeus.

Uma certeza, com certa crueza, tomou conta de mim.Não olhei para D. Inês. Larguei o bilhete. Sem lágrimas, segui calado de volta para casa e assim, permaneci. No dia seguinte, silêncio, internação, esquecimento, solidão, clínica, remédio, injeção. Como bola de meia velha, largada no canto. Nunca mais liberdade, lucidez, nem Duzão!

Paixão é assim

Autor: Walter Sá

Não é só sentir calafrios na alma
Nem suor de mãos aflitas
Quando desperta, a vida toda se agita

Sossega as borboletas
Na tua barriga, que
Paixão é assim,
Arde, queimando amor
Antigo, que havia

Fica quieto, faz a lição
Do dia,
Nesse jogo perigoso é melhor
Ter cuca fria

Bebe um trago
Ascende um cigarro
Conta ao garçom
Amanhã, a vontade passou,
Já é outro dia.

Desejo de gente
Que vem e que passa
Te larga às traças
E nem te diz bom dia!

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Abstinência

Autor: Walter Sá

Corpo, que pede corpo
Sede, que não sacia sem teu beijo
Fome de alma,

Do teu tato,
Do teu gosto,
Do teu corpo,

Que é meu quintal,
Meu prato favorito,
Meu arrepio na coluna vertebral

Vem logo pra perto
Antes que eu ceda à fossa,
Que é tua
Ausência.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Quando vi Athos Bulcão

Autor: Walter Sá

No saguão, aguardando o avião
Vejo Athos, o Bulcão
Foi durante a conexão, que vi a construção do traço, azulejo, pedaço
E me fez, nesse hiato de tempo, perceber do terraço,
Brasília de concreto e aço, além de Oscar, além de plano piloto,
Havia pássaros e estrelas de outros traços.
Ah, vida presa ao chão, liberta asas rígidas, paradas.
Faz como Athos
Arrisca rabiscos, soltos no espaço.

Le chanson de l'univers

Auteur: Walter Sá

La paix du silence profond que
les oreilles du monde enttendent

Sonne dans l’univers et
Resone une chanson fait
De la lumière qu’on
N’attend pas

Parce que cette paix est
Seulement l’écho du son
Premier, juste les oreilles du monde
Et notre coeur peuvent l’écouter

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Le fleuve de larmes

Auteur: Walter Sá

Le fleuve de larmes noires
a jailli dans mes vieux yeux

Il a mouillé une terre aride
où l’amour a perdu des hommes
et seulement les chagrins sont restés

Maintenant je prie Dieu
Et lui demande qu'il me fasse t’oublier
Pour que les larmes noires ne jaillissent plus

Les chagrins sont des beautés éffacées
par la paine...

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A gente

Autor: Walter Sá


A gente acorda,
come, transa,
sonha, trabalha
E agüenta a carga diária.

A gente bebe,
mija, goza e ora,
às vezes,
Alimenta a alma.


A gente ama,
chora, odeia,
grita e perde
A calma.

A gente nada contra
A maré
Pra gente não morrer
Na praia.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Maria Esquecida

Autor: Walter Sá

Era como flor, o sexo de Maria
Desabrochava intenso, logo ao raiar
Do dia

A hora do almoço era dela, a preferida
Aos galopes, ágil, ela bem conduzia os desejos afoitos
De quem a queria

Mas a noite caiu,
Foi escuro, o sonho de Maria
De manhã,
Não desabrochou amor, nem flor,
O sexo acabou

Foi seco, o golpe
Foi certa, a ferida
Algum tempo pensou que
O príncipe viria

A hora galopou rápido,
Maria, em flor, murchou
Ficou esquecida

Obra

Autor: Walter Sá

Quantos riscos são necessários para se chegar à perfeição do traço?
Forjar a matéria no abstrato,
Da linha ao verso, do verso ao verbo, do verbo ao ato
No cimento, papel, mármore,
No aço

Fundir idéias
Até obter
Espaço

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Impunidade e corrupção: um jeitinho brasileiro

Autor: Walter Cunha

Há muito tempo, ouve-se dizer que o povo brasileiro é um povo lutador e que diante das dificuldades não se deixa abater e segue em frente, lutando contra as adversidades. O problema é que nunca é dito de que maneira é travada essa luta. Seja em problemas sociais, que diz respeito ao povo, seja no âmbito individual, geralmente, ouve-se a expressão: Não se preocupe, daremos ou darei um jeitinho na situação. O famoso jeitinho brasileiro que facilita tudo, na hora de resolver os problemas. Uma cordialidade comprada.

O que sempre me chamou a atenção é que esse jeitinho está sempre atrelado à uma infração, a um desrespeito às regras, a um modo obscuro ou ilegal de se obter tais facilidades. Porque na verdade, o que se deseja diante de um problema é a facilidade para solucioná-lo, muitas vezes, a qualquer custo. É aí, que reside o perigo do tal jeitinho. Ao se infringir as regras, ao burlar a Lei e ao agir de maneira ilegal, a conseqüência natural e esperada seria a punição no momento em que essa ação fosse descoberta. Mas, não é bem assim, no Brasil. A nossa sociedade aprendeu que nem todas as infrações, leves ou graves são punidas como deveriam ser e assim, se habituou a praticar, sem muita preocupação, o tal jeitinho, em qualquer situação que exija um esforço maior para resolvê-la.

Nos casos mais simples como furar uma fila de espera ou em casos mais sérios como o desvio de verba pública, destinada ao bem comum da população, o jeitinho é aplicado sem a menor preocupação com a punição. Como conseqüência disso, a corrupção se tornou também, comum na sociedade.

A nossa corrupção nada mais é do que o exercício desse jeitinho. Ela está presente nos conchavos políticos, nas licitações públicas, na atitude de privilegiar o outro em detrimento de quem realmente precisa, enfim, virou sinônimo de esperteza e ser esperto por aqui, dá mais ibope que ser honesto.

O que é preocupante diante dessa inversão de valores, onde o esperto e bem sucedido é aquele que consegue, por vias mais rápidas e fáceis atingir seus objetivos na vida, não importando como isso se dê, é a despreocupação das famílias em ensinar e repassar aos seus filhos e futuras gerações, valores como honestidade, compaixão, solidariedade e responsabilidade. A causa dessa despreocupação está aí, exposta no cenário da política nacional. Os casos de corrupção graves, onde os infratores, além de não serem punidos, com o tempo e o esquecimento geral, voltam a praticar seus atos corruptos, alguns novamente em cargos públicos, sem o menor pudor.

Recentemente, para exemplificar, os meios de comunicação veicularam as investigações em casos de corrupção no senado federal, acusando o senador José Sarney de atos ilícitos na carreira política que o sentenciariam a perda do cargo político. Nos ministérios do Governo Dilma também. Certamente o jeitinho brasileiro se fez e se faz presente e ao fim das investigações não se conseguirá provar nada contra o senador, nem contra qualquer colarinho branco, para relembrar o termo, embora todos saibam que ele é responsável pela continuação do domínio oligárquico no estado do Maranhão e um dos expoentes da corrupção no país.

Isso prova que o jeitinho brasileiro ainda está longe de ser extinto na prática, tanto na ascendente classe C ou no intocável vértice da pirâmide, onde fica a classe A da sociedade e que, as pessoas, que ainda não se deixaram levar pela inconseqüência e irresponsabilidade na ação de tais atos corruptos, continuarão como vítimas, sem jeitinho.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Quando troco pombos por tucanos

Autor: Walter Sá

Às vezes, perco o rumo nas retas do asfalto
Bicho preso, sem grades, no quarto
Da selva de concreto armado

Quando troco pombos por tucanos,
Caio no Serrado e de lá não saio,
Viro bicho do mato, sigo o instinto nato
De ser natureza, de fato!

Rio, cheiro de verde, cachoeira,
Silêncio de noite, barulho de corredeira
Quero tudo
A flor do mandacaru, a bananeira,
Lobo Guará e roseira

Teu cheiro natural de corpo, de montanha e vale
Te quero por inteira
Chapado de ti, fazer besteiras
Chapada em mim, de qualquer maneira.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Foi justo no fim

Autor: Walter Sá


Foi quando senti um vazio na alma e pensei que fosse sua ausência
Foi quando vi que não era feliz só com a sua presença

Que percebi, a felicidade estava por perto
E você, eu estava agora bem certo,
Não era do meu desejo, o único objeto

Foi justo no fim desse caso
Bem na hora do afago final
Que meus olhos viram no fundo dos teus
A vontade do teu adeus

Foi difícil aceitar
Posso até jurar que muitas vezes morri
Ao lembrar que de te, não teria mais riso,
Nem casa, nem flor, nem jardim

Quem sabe um dia, encontro você por aí,
No Bar, numa esquina da vida e a gente repara essa glosa,
Aproveita e goza, sem culpa no fim.

Bem te vi

Autor: Walter Sá

Mal te vi, já bem te quis
Bem te vi, pude entender

Um dia sim, você aqui
No outro dia, sem te ver

É beija-flor ou colibri?
Algumas flores pra colorir,
Com um gesto simples,
Te fazer sorrir

Mal te vi, não me esqueci
Bem te vi e me entendi

Você é pássaro, eu jardim!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Um lugar vazio

Autor: Walter Sá

Havia uma tensão no ar,
Não sabia, mas pressentia
O arrepio, o frio que na alma havia
Era anúncio do fim, que logo chegaria

Foi silencioso como o alvorecer do dia
Como o desprender-se da pétala caída
Suave como o passar da pele, na neblina,
Rápido como o vôo da andorinha

Ele partiu, assim de repente
Balançou e caiu, despencou do fio de memória,
Que o manteve vivo

Agora, nem lembrança, nem presente, nem futuro
Só um lugar vazio,
Distante da tua ausência!



sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Manège d’étoiles

Auteur: Walter Sá

Lorsque tu n’est pas près de moi
Mon coeur reste vide et mon corps
Solitaire

Je veux t’atteindre
Dans mon rêve

Je veux t’adorer sur la pelouse où nous aurons
Les étoiles comme notre manège

N’aie pas peur, mon amour
Parce que du futur
On ne sait rien

Seulement m’importe voir ton visage
Et comme le décor, un beau paysage

Puisque à tes côtés le ciel est plus bleu et le jour plus ensoleillé
Je voudrais pouvoir doucement t’embrasser
Et dans mes bras te faire loger

Je t’aime maintenant
Je t’aimerai demain

La folie dans mon coeur


Auteur: Walter Sá

C’est comme la nuit noir et la lune pleine, la folie dans mon coeur
C’est comme l’odeur de la rose plus parfumée
La folie dans mon Coeur

La vie est courte
Le rêve est plus grand

Le sentiment qu’il y a dans mon coeur ne veux pas finir
Il est venu avec le but de rester.

Mais je sais que la bonne chance ne me trouvé pas quand tu es sorti
Et toi, que l’amour ne vas pas m’offrir

La vie est courte
Le rêve est plus grand, ce que je peux penser

Peut-être un jour tu vas vouloir que la folie ait passée
Mais ce sera une grande bonheur, lorsque tu me voir rentrer.

Vôo para São Luís do Maranhão

Autor: Walter Sá

Avião, pássaro de ferro,
Mergulho no espelho da Terra, infinito.
Homem rã de um mar de nuvens de brancura espessa, densa

Fito o finito traçado de linhas na terra, mapas riscados no solo
Que moro, que morro
Passo em minutos cortando imensidão à frente até chegar
Minúsculo lugar, maiúsculo lar

Upaon-Açu, cheiro de Mar
Upaon-Açu, cheiros no ar
Do Desterro
Do lampejo, do gás do candeeiro
Do metano lagoano o ano inteiro

O cheiro do suor humano, da carne mundana
Das comidas das festas dos Santos
Das bebidas das festas Profanas
Do hálito quente das pedras de cantaria depois da chuva
E das palafitas do Sá Viana, na casa de Maria Joana.

Já é tarde, logo será noite na minha lembrança,
Fostes e serás, minha Ilha, sempre um ímã nos meus pés de
Criança

Quem espera

Autor: Walter Sá

Quem espera sempre cansa
Se não sair do lugar, se não se movimentar

Juntos nessa dança, nessa ciranda,
Acabamos no altar

Foi veloz o nosso tempo, o que chamam casamento,
Que não vimos nem passar!

Acabou-se o que era doce
Não adianta nem chorar
Porque o tempo não pára e nem dá
Para voltar

Quando o amor fica doente,
Segue teu caminho, encontre flores e espinhos ou se canse
De esperar

Quem espera sempre dança sem par,
Passa a vida, passa o tempo
Que não gosta de esperar

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Caixa de lembranças

Autor: Walter Cunha

Sexta-feira, 18h, algumas pessoas saem do trabalho e vão direto ao bar mais próximo. Como de costume, a cervejinha gelada e os petiscos convidam para mais um happy hour. Alcides, o contador-chefe, é um homem sério, reservado, meio franzino e próximo aos 40 anos de idade, Desta vez, após muita resistência, resolveu ir com o pessoal do escritório ao famoso encontro de todas as sextas, no Bar do Matão. Ele não gosta de barulho e nem daquela euforia que toma conta das pessoas, simplesmente porque chegou o final de semana. Para ele, é só uma grande válvula de escape que serve apenas para aliviar a massacrante rotina dos colegas do escritório de contabilidade, onde trabalha há quase 15 anos.

O Bar do Matão, na rua Augusta, é o point semanal após o expediente. Ali os rapazes já armam suas baladas, afinal a própria rua oferece tudo que podem desejar depois de algumas garrafas de cerveja. Sexo, drogas e rock and roll estão no cardápio principal dessa alameda das orgias a céu aberto. Geraldão, o garçom mais simpático do bar e querido por todos, não conhecia o novo integrante do grupo e ao ver os rapazes chegarem, lançou uma das suas famosas tiradas- quem é o pinto novo do galinheiro, rapaziada? E a galera tratou de formalmente apresentá-lo. Com as pompas dos boêmios, um deles falou- é o pinto pagador, o chefe do pessoal do escritório. Alcides, simplesmente acenou com a cabeça, não sabia onde enfiar a cara, pois seu jeito reservado não permitia esse tipo de intimidade, embora convivesse com a maioria deles há muitos anos. No início, o clima, estava tenso, pois a postura de Alcides não deixava os outros à vontade. Mas, o poder de desinibição do álcool não tardou para fazer efeito nas cabeças animadas e em questão de minutos todos estavam rindo e contando as piadas repetidas de toda sexta-feira. Pronto, estava posto o clima festivo a que todos se dispunham. A conversa estava rolando, Alcides já estava relaxado e até se divertindo com as anedotas sem graça dos colegas.

Geraldão trazia as cervejas e petiscos e a cada rodada olhava fixamente para Alcides como se o conhecesse de algum lugar. Aquele jeito sério e a face marcada por vincos de expressão austera não lhe eram estranhos. Só não conseguia se lembrar de onde e nem de quando viu aquele rosto, afinal foram tantas noitadas na vida, tantos rostos. Repetidas vezes, o garçom se aproximou para averiguar se não estava se confundindo, se não era só alguém parecido com outra pessoa que ele conhecia. Lá pelas tantas, naquele momento que a bexiga já não suporta mais tanta pressão de cerveja, Alcides levantou-se para ir ao banheiro e trombou de frente com Geraldão. O encontro no meio do bar foi como um déja vu para Alcides, e naquele momento a sua cabeça girou mais do que o normal, uma tontura tomou conta do seu corpo que quase cai. Alcides, mesmo meio embriagado, reconheceu o garçom simpático. Mas, não podia ser a mesma pessoa, tantos anos se passaram, precisamente 15 anos desde a última vez que se viram. Alcides seguiu em direção ao banheiro e Geraldão levou mais uma rodada de cervejas para a mesa. Quando Alcides retornou, todos perceberam que sua face mudara e havia um incômodo no ar. Mas, todos em respeito, não perguntaram nada a ele. Alcides, apressadamente, sem dar muita explicação, falou que tinha algo urgente para resolver em casa e precisava ir embora naquele momento. Deixou a sua parte do dinheiro para pagar a conta e saiu sem se despedir direito. Em direção ao carro, que estava estacionado na garagem do escritório, ele foi pensando no encontro inesperado que acabara de ter e se o garçom o teria reconhecido como ele o reconheceu.

Geraldão era mais magro e não tinha tatuagens, era comunicativo e tinha um jeito despojado, quando se encontraram pela primeira vez na cidade de Bauru, onde se conheceram. Os anos passaram e ambos se tornaram pessoas diferentes, cada um com suas escolhas. O primeiro encontro foi especial para ambos. Os dois estavam no último ano da faculdade. A cumplicidade, as afinidades e a química entre eles eram perfeitas. Mas, o ano letivo acabou e junto veio a formatura e também a separação. Alcides é de Piracicaba e Geraldão da capital. Alcides tem pais idosos, religiosos e conservadores. Geraldão foi criado também no rigor, serviu o exército e tinha dotes artísticos, tocava violão e gostava de literatura. A separação aconteceu porque ambos desejavam coisas diferentes. Alcides queria continuar os estudos, fazer mestrado e doutorado em economia. Geraldão não queria seguir carreira e fazia faculdade de economia para satisfazer os pais. Ele na verdade, queria montar um bar, uma pousada ou um restaurante, era mais dado ao contato social. Cada um seguiu seu caminho, mas o que houve entre os dois não havia morrido, era fato. Concordaram então, em manter contato e assim que cada um encontrasse o prumo na vida, se reencontrariam para continuar aquela relação que parecia ser para sempre. Tudo era sigiloso porque na época, as pessoas ainda eram intolerantes com esse “tipo de amor”, entre rapazes.

O filme da história dos dois passava pela cabeça de Alcides. Sem saber o que fazer, entrou no carro e dirigiu-se para casa. Ao chegar foi direto buscar no guarda-roupa, uma caixa de lembranças onde havia fotos e cartas dessa época que ele acabara de lembrar. As fotos o remeteram mais uma vez àquelas sensações de quando era jovem e a vida era um grande playground. Sorriu e até gargalhou sozinho, lembrando das farras que eles aprontavam, sem que ninguém na faculdade soubesse o que se passava entre os dois. Pareciam só bons amigos e parceiros como é comum entre homens, nessa fase da vida.

E agora o que fazer? Estava confuso, surpreso e feliz ao mesmo tempo. Depois que se separaram a vida encarregou-se de distanciá-los. As correspondências diminuíram com o tempo e os telefonemas minguaram pouco a pouco. Em menos de um ano, depois da formatura, já não se falavam mais e perderam o contato definitivamente. Após tanto tempo, como poderia abordá-lo? E se ele tivesse esquecido tudo e tomado outra direção? O garçom que ele viu não se parecia em nada com aquele sujeito de 15 anos atrás, ele só o tinha reconhecido pelos traços fisionômicos inconfundíveis, e uma cicatriz pequena no rosto, adquirida na faculdade, numa festa particular dos dois, após escorregar e bater o queixo no batente da porta do quarto, da república onde moravam. Agora, Geraldão parecia ter adquirido a malícia e a malandragem dos boêmios do centro da cidade.

Decidido a reencontrar o garçom, Alcides juntou todas as fotos e cartas, recolocou-as na caixa de lembranças e começou a pensar numa maneira de falar com ele, sem que as pessoas do escritório tomassem conhecimento do fato dos dois se conhecer, há muito tempo. No outro dia, era sábado e não havia perigo do pessoal da firma aparecer no bar. Achou que seria prudente ir lá, falar com ele e se identificar. Mas o que dizer? Porque dizer alguma coisa? Se ele não havia sequer lembrado ou o reconhecido? E se ele estivesse casado? Com outro ou com outra. Na época da faculdade, Geraldão saía com meninas também. Mais para disfarçar sua real preferência do que por gostar mesmo da companhia feminina. Todas essas perguntas e dúvidas passavam pela cabeça de Alcides, deixando-o mais receoso e ansioso. Já eram quase três horas da madrugada e ele ainda ali, sobre a caixa, perdido em suas lembranças!

No dia seguinte, levantou cedo, tomou café pacientemente enquanto planejava com detalhes sua abordagem. Cada gesto, cada palavra pensada, tudo que dirá, deverá ser exato para não deixar dúvidas que ele, apesar do hiato de anos, entre os dois, ainda estava disposto a dar continuidade àquela relação interrompida no passado. Após o café, saiu de casa e foi até o shopping comprar um presente. Não queria aparecer de mãos vazias e resolveu comprar uma caixa de discos de rock com bandas que o Geraldão gostava. Ele ainda se lembrava de algumas preferências do ex-parceiro. Ao sair do shopping passou na papelaria e escolheu um cartão simples e escreveu algumas frases retóricas e rápidas do tipo: não sei se acertei, espero que goste..é de coração! Em seguida almoçou e durante o almoço, olhava insistentemente o relógio como se isso acelerasse o tempo, que à sua impressão, não passava.

Enfim, a hora aguardada estava próxima, já eram quase 17h, quando o Bar do Matão abre para os clientes começarem a bebedeira de todo dia. Alcides chegou pontualmente e esperou a chegada dos funcionários. Como de costume, Geraldão estava lá para abrir o Bar, pois era ele o responsável por isso. Coração na boca, pernas bambas e rosto pálido, Alcides atravessou a rua e foi ao encontro de Geraldão que se surpreendeu ao ver o pinto-pagador alí e já soltou uma das suas- virou pinto-pinguça, tão cedo no Bar? Alcides, quase afônico, respondeu chamando-o pelo nome, olá Geraldão, não me reconheceu?! o garçom não conteve a surpresa e gaguejou o nome do parceiro que surgia na sua frente, Al-ci-des!!? Suas dúvidas acabaram, era ele mesmo, o cara da noite anterior que chegou com a turma do escritório de contabilidade, ele realmente o conhecia, não era só uma impressão! Os dois se abraçaram sem falar nada e entraram silenciosos no Bar. Alcides entregou o presente, Geraldão agradeceu, puxou uma cadeira, abriu uma cerveja, pegou dois copos e sem falar nada, serviu os dois, sentou-se, olhou por alguns segundos dentro dos olhos de Alcides e com um tom de voz suave, perguntou: Por onde você andou esse tempo todo?

Mesmo depois de tanto tempo, alguns segundos em silêncio foram suficientes para os olhares se reconhecerem e a intimidade vir à tona. No momento seguinte, perguntas e respostas aflitas se pronunciavam atropelando umas às outras. Beijos e abraços ardentes tomaram conta dos corpos que se entrelaçaram como nó cego. Após o contato físico e com os ânimos mais calmos, concordaram que teriam outro encontro para conversarem calmamente, em outro lugar, onde poderiam ficar à vontade. Era sábado e os outros garçons e clientes estavam chegando. A noite começa cedo aos fins de semana, na rua.

Combinaram, então, que se encontrariam no dia seguinte. Alcides deixou o número do seu celular e foi embora com a certeza do próximo encontro, sentindo-se feliz e mais vivo do que nunca. Algo que não sentia desde o tempo da faculdade.

Durante o domingo inteiro ele aguardou o telefonema de Geraldão para marcar o lugar do encontro, as horas o consumiram, o dia passou e o garçom não ligou. Uma mistura de frustração e curiosidade, de medo e de raiva, de tristeza e dúvida o invadiram na manhã de segunda-feira. Tinha uma rotina maçante a seguir e não sabia o que pensar. Porque o outro não ligou? Será que se arrependeu e desistiu de revê-lo? Bom, aguardaria mais um pouco e se não obtivesse contato, iria ao Bar falar com Geraldão. Agora pouco importava o que os outros pensariam dele, se soubessem o que se passava entre os dois. O que ele mais queria era resgatar aquela relação. E estava disposto a se expor por isso.

Quando chegou ao escritório, entrou como de costume, desejou bom dia a todos e percebeu um ar sério e de tristeza no rosto dos companheiros de trabalho. Deixou suas coisas na mesa e ao retornar para tomar um cafezinho, perguntou a um deles o que tinha acontecido, se o timão havia perdido mais uma partida ou algo assim. Não, não é o futebol a causa da tristeza de todos, Renato, o arquivista, acaba de nos contar que o Geraldão, lembra? O garçom gente boa do Bar do Matão que te apresentamos na sexta-feira foi encontrado morto, no hotelzinho onde mora, ali na Santa Cecília. Mais uma vítima dessa violência cruel e corriqueira a qual nos acostumamos, respondeu o colega.

Alcides sentiu sua alma esvair-se do corpo, uma onda gelada tomou conta dos seus órgãos internos e sentiu o coração contrair-se, achou que morreria naquele momento. Mas conseguiu recompor-se e sem mencionar nenhuma palavra sobre a notícia, entrou na sua sala, disse a secretária que não queria ser incomodado, trancou-se e retirou da gaveta uma pistola 38 que havia adquirido há muito anos, após uma tentativa de seqüestro relâmpago que sofreu. Sentou-se na cadeira, retirou do bolso uma foto dos dois juntos, tirada na época da felicidade. Olhou-a atentamente como se quisesse registrar bem aquela imagem e sem pensar, num movimento automático, disparou contra a cabeça.

O escritório inteiro correu em direção à porta, ao ouvir o disparo, e sem muito esforço, os rapazes conseguiram arrombá-la. Na sala de Alcides, corpo estendido, foto na mão e caixa de lembranças em pedaços espalhados, por todos os lados.