quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A força que mora na água

Autor: Walter Sá

Joca acorda com o Sol, às vezes, antes dele. Pescador desde que se entende por gente, todo dia cumpre uma rotina de multiplicar peixes e não deixa faltar na mesa, o sustento da família. Era mais um dia, na vida de quase trinta anos de pescaria. Joca arrumou as coisas e saiu sozinho para o mar, seu segundo lar. O dia estava tranqüilo, o mar pouco agitado e o céu naquele azul profundo e silencioso que nos faz querer ser pássaro. Joca preparava-se para jogar a rede ao mar, quando de repente sentiu um solavanco na proa do saveiro e virou-se rapidamente para averiguar.Não acreditou no que viu. Um cardume de golfinhos fazia um cortejo para a embarcação e tentavam com saltos e sons estranhos, dizer algo ou indicar um caminho. Rapidamente, Joca pegou o leme, mudou a direção da vela e sem pensar, seguiu o cardume. Havia um, na frente de todos, que saltava e emitia sons que Joca não compreendia, mas suspeitava que era uma forma de comunicação. Passou quase uma hora navegando para um lado da costa que ele nunca havia ido, pois para aquelas bandas a pesca não era boa. Impressionado com a rapidez do cardume, não percebeu que havia entrado por um braço de mar que invadia a costa e dava numa espécie de baía com águas calmas. Ao chegar ali com o saveiro, o cardume parou de nadar e com movimentos coordenados, em duplas, começaram a emergir os corpos fora d’água, girando e se lançando no ar. Joca não resistiu e com receio se jogou na água, aceitando o convite dos novos companheiros. Deu um mergulho profundo. Viu que submersos, estavam mais de dez golfinhos brincando e rodopiando embaixo do saveiro. O pescador nunca havia experimentado nada parecido em toda a sua vida. Anos trabalhando no mar e nunca obteve dele momentos de prazer como aquele. Admirava o mar, tinha grande respeito por essa imensidão, mas nunca havia estado assim, em total comunhão com aquele que era o provedor de sua subsistência. Ele brincava como criança com os golfinhos, que não paravam de dançar em torno dele. Muito tempo depois, o pescador já exausto decidiu sair da água e descansar um pouco na areia. Joca estirou-se embaixo de uma sombra e adormeceu. Dormiu profundamente. No sonho, uma mulher linda e coberta de luz apareceu sentada ao seu lado, no saveiro de todo dia. A mulher calmamente disse-lhe em tom de sussurro. Vamos dançar, Joca? Sem voz e sem palavras para responder, levantou-se. Sem saber dançar e sem saber quem era aquela mulher, aceitou o convite. Em cima do saveiro, os dois dançaram embalados por sons marinhos. O vento, as ondas, os peixes, tudo em volta emitia sons que o embriagavam. Ele, entregue à sensação, deixava-se conduzir pelos movimentos vertiginosos que aceleravam a cada compasso. Em seguida, subitamente, Joca acordou e ainda embriagado pelas sensações do sonho, procurou a mulher que parecia real. Olhou ao redor. Não viu ninguém. Somente quando se levantou, percebeu na areia algumas pegadas ao lado das suas, um rastro paralelo ao seu que vinha do mar. Começou a chamar por alguém, o silêncio foi a resposta. Intrigado e assustado, Joca retornou ao saveiro. Já era quase fim de tarde e se não se apressasse em voltar, não chegaria a tempo do jantar e ainda enfrentaria o mar à noite, por aquela região que não conhecia.

No saveiro, o pescador percebeu que a rede estava na água e lembrou-se que até agora não havia pescado nada. O dia estava acabando e ainda teria que conseguir algum pescado para o jantar. Apressadamente, Joca puxou a rede e para a sua surpresa, estava cheia de peixes. Mas, o que mais o impressionou foi o brilho que emanava das escamas, uma luz prateada de um tipo de peixe que ele desconhecia. Arrumou tudo no saveiro, pegou o leme e seguiu de volta pra casa. Quando chegou, Joca foi recebido pela esposa, filhos e uma festa na aldeia. Ele havia esquecido, os pescadores comemoravam o dia de Iemanjá.



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