quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Esperança não está no sonho

Autor: Walter Sá

A sexta-feira tinha sido cansativa. Após o trabalho, Vinícius foi direto para casa. Ao chegar, tirou a roupa, aos poucos. Primeiro os sapatos, depois as meias, a camisa e permaneceu somente com as calças. Foi até a geladeira, pegou uma long nek e sentou-se no sofá para ouvir música e relaxar um pouco. O cansaço e o leve torpor do álcool, logo o fizeram adormecer ali mesmo, na sala. Sonhos confusos e o desconforto da poltrona não o deixaram dormir por muito tempo. Ao acordar, percebeu que ainda era cedo e decidiu que sairia para se divertir, afinal, ele merecia um pouco de lazer, após uma semana estressante de trabalho. Antes de decidir para onde iria, Vinícius foi até a sacada do apartamento e ouviu o burburinho que vinha da rua. Os bares estavam lotados. A noite, apesar de fria, estava animada. Era mês de agosto, o inverno estava rigoroso, mas o calor da animação o impulsionava para mais uma balada.

Vinicius pegou outra long nek, aumentou o som e deu início ao ritual de embelezamento, hoje em dia, muito comum entre os homens. Durante o banho começou a se lembrar do sonho que acabara de ter, enquanto relaxava no sofá. Ele sonhou que estava numa festa e que ali, no meio de todos, na pista de dança, encontrava com uma garota. Ela era baixinha, tinha cabelos curtos e na face, um sorriso franco e amistoso. Eles se aproximavam, começavam a conversar e quando ele ia perguntar o nome dela, subitamente, o som da pista aumentava e ele não conseguia escutar o que ela dizia. A cena se repetia inúmeras vezes, até que ele despertou. Era tudo que se lembrava.

O banho foi demorado e Vinícius, distraído com as lembranças do sonho, nem percebeu que o telefone havia tocado. Não conseguiu ver de quem havia sido a chamada, era um número não identificado. Seguiu para o quarto, agora era a vez do look. Com que roupa eu vou?Perguntou-se e riu sozinho, lembrando-se do samba de Noel Rosa. Riu mais ainda, quando se deu conta de que não são somente as mulheres que ficam indecisas, nessa hora. Escolheu o melhor jeans e uma camisa nova, colocou e tirou vários modelos de sapatos e por fim, decidiu-se por um tênis meio surrado, ideal para aquele visual mais despojado que ele buscava.

O destino era o baixo-Augusta, no centro da cidade. A rua costuma ficar lotada aos fins de semana. Bares, clubs e saunas de prostituição disputam os passantes nas calçadas. As ofertas são variadas, sexo, drogas e outras diversões estão na lista de produtos facilmente encontrados. Para Vinícius, a noite seria de puro hedonismo. A intenção era dançar, beber e conversar com pessoas desconhecidas, se jogar literalmente, sem receios do que estaria por vir. Entrou e saiu de vários botecos. Depois de algumas doses de catuaba, resolveu entrar no Club Vegas para ver alguns amigos, dançar e azarar alguém. O som estava ótimo, às sextas-feira, o público que freqüenta o club é GLS. O clima da festa nessa noite é muito mais interessante. Vinícius não tinha preconceitos e gostava de experimentar novas situações.

Assim que entrou no club, ele deu de cara com uns amigos perto do balcão do bar. Parou para cumprimentá-los e deu uma olhada geral no ambiente. Um deles falou: “te ligamos mais cedo, mas seu telefone deu na caixa postal e não deixamos recado”. “Eu vi que alguém tinha ligado, mas não deu pra ver de quem era o número”- respondeu Vinícius. “Claro que não! nós usamos o telefone de uma amiga que conhecemos hoje e está aqui com a gente. Ela foi ao banheiro, uma gatinha”! “Pô, ainda bem que nos encontramos”, respondeu Vinicius! A pista estava cheia e animada, como no sonho que tivera, antes de sair de casa.

Em seguida, Vinicius pegou o drink e foi se arriscar na pista à procura de alguém para juntos, terminarem a balada. Ele já conhecia o club e sabia qual era o melhor lugar para ficar e ter uma visão geral do ambiente. No momento seguinte, ele não acreditou quando viu à sua frente, dançando sozinha, uma garota extremamente parecida com aquela do seu sonho. Ao mesmo tempo surpreso e curioso, ele não resistiu e deu uma olhada incisiva na direção dela. Ela, imediatamente percebeu o olhar dele, sorriu também e se afastou um pouco para que ele pudesse se aproximar e iniciar uma conversa.

Olá, boa noite, tudo bem? Falou quase gritando. Ela respondeu afirmativamente com um gesto de cabeça e o convidou para irem buscar algo no bar. Dirigiram-se os dois para o balcão, onde os amigos dele ainda estavam tomando todas. Tudo parecia uma grande coincidência, a amiga que ele acabara de conhecer, era também a amiga dos rapazes, aquela que tinha ido ao banheiro e dona do telefone que eles haviam usado para telefonar para Vinicius. Nossa, vocês já se conheceram, perguntou surpreso, um dos amigos de Vinicius. Ainda não, acabamos de nos encontrar na pista e resolvemos vir tomar um drink. Então, vamos às formalidades, Vinicius esta é a Esperança, amiga que nós conhecemos ali, no bar Z Carniceria. A partir disso, os dois afastaram-se do grupo e engataram uma conversa sem fim. Parecia que já se conheciam há muito tempo.

Os assuntos foram os mais variados. Música, filmes, psicanálise, política e até religião foram discutidos de forma muito superficial, mas que dava argumentos para esticar a conversa. A balada já estava quase no fim, quando ele sugeriu uma esticada, no after hours, em outro club. Esperança, apesar de ter ficado muito interessada no convite, conseguiu decliná-lo. Ela já estava cansada e no dia seguinte tinha que viajar para visitar seus pais, no interior. Mas, logo após a justificativa, fez questão de dar o número do seu celular para que Vinícius pudesse telefonar depois, na segunda-feira. Combinaram de se encontrar, ver um filme ou simplesmente comer alguma coisa e continuar aquele papo interessante sobre as afinidades. Durante o tempo, que ficaram juntos, não se beijaram e nem houve uma intenção sexual explícita por nenhuma das partes.

O fim de semana foi longo para ele, mas Vinícius conseguiu segurar a ansiedade. Chegou segunda-feira e até às 17 horas ele não havia ligado. Ele sentia vontade de ligar, mas na hora que pegava o telefone, desistia repentinamente, sem saber muito bem o motivo da hesitação. Ao fim do expediente, resolveu que ligaria de qualquer jeito e assim, finalmente o fez. Tentou algumas vezes e Esperança não atendeu. Desistiu de falar comigo, ele pensou. Mas, como ele não era de ficar marcando touca, já ligou para um dos amigos da balada, o Rafael, que também conheceu a Esperança, sexta-feira, a fim de saber mais sobre a moça.

Rafael é calmo, discreto e, dos caras da turma, é o que Vinícius mais tem afinidades. Às vezes, saem só os dois e fazem programas diferentes de baladas e farras. Há uma sintonia maior entre eles, os dois gostam de artes plásticas, cinema, música e esportes em geral. Parecem irmãos. Ele saberia algo há mais ou teria uma opinião sobre a Esperança.

Alô, Rafa, tudo bem? Então cara, lembra da mina que nós encontramos sexta-feira, na balada? Putz, cara fiquei de ligar para ela hoje, liguei e ela não atendeu! Você sabe mais a respeito dela? Fiquei curioso sobre a garota. Olha só, disse Rafael, pelo que sei, ela é psicanalista e namora uma menina, o nome da namorada dela é Valéria. O que? Jura? Disse Vinicius. Pois é, na hora que vi vocês dois dançando, na maior intimidade, não entendi a situação, mas hoje em dia, tá todo mundo pegando todo mundo, que achei que nem você e nem ela, se importasse com isso. Sim, de fato não me importo e acho até interessante novas experiências, você tá ligado que não sou tão careta assim. A resposta de Vinicius soou de modo diferente aos ouvidos de Rafael. Ele, há muito tempo guarda um carinho velado, especial, pelo amigo, embora nunca o tenha verbalizado e tão pouco, tenha dado bandeira para que alguém tivesse desconfiado. A ligação terminou com a pergunta de Vinicius, e você, o que achou? Curtiu a Esperança? Rafael por alguns segundos ficou mudo, em seguida respondeu, sim, já a conhecia de vista, das baladas da Augusta, além de bonita, ela é inteligente, ouvi alguns trechos da conversa de vocês, como te falei, ela estuda psicanálise, não é? Sim acho que é isso sim respondeu, Vinicius. Bom, então até mais Rafa, nos falamos durante a semana. Até mais Vini.

A segunda-feira terminou e Vinicius voltou para casa, ao chegar colocou um disco de Cibelle para tocar e escolheu a música, Phoenix. Sentou-se no sofá ascendeu um baseado e ficou pensando na garota, no fim de semana e na maneira que acabou a conversa com Rafael sobre a Esperança. Pensou bastante e decidiu que não ligaria mais, afinal seu número estava registrado no celular dela, se houvesse interesse, ela retornaria a ligação. Tomou um banho, se trocou e comeu alguma coisa antes de dormir.

O sono chegou e com ele outro sonho. Vinicius começa a sonhar com a mesma cena do sonho anterior, confusão, pista de dança, boate, só que dessa vez não é a Esperança que aparece em seu sonho e nem outra garota qualquer, mas sim o seu melhor amigo, Rafael, sorrindo de longe e olhando, fixamente para ele.


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